Abrir empresa com capital de giro adequado ajuda a garantir sobrevivência, mas exige separação das contas pessoais e análise constante do mercado
Um exemplo simples é o do comércio. O último trimestre do ano é o melhor em vendas para boa parte dos varejistas, mas é seguido por três meses em que os consumidores direcionam o salário para pagar impostos, viagens de férias e material escolar para os filhos. Por isso, o diretor financeiro no Brasil da empresa de soluções financeiras iZettle, Ricardo Sonoda, considera que o planejamento deve considerar no mínimo um ano para determinar o tamanho do capital de giro necessário. “Nas grandes empresas, é uma decisão estatutária, seja pela formação de estoque ou pela disponibilidade bancária”, diz. “Na pequena, há maior velocidade de decisão e é preciso planejar os próximos 12 meses, para ir ajustando de tempos em tempos, com projeções de curto e médio prazos”, completa.
Para Sonoda, o mínimo é que a reserva financeira corresponda a seis meses de despesas da empresa, sempre dentro do planejamento de um ano. A composição depende do volume de vendas previsto, das compras, dos estoques e dos recursos em conta bancária, por exemplo, e é diferente do fluxo de caixa. “É possível ter capital de giro positivo e fluxo de caixa negativo, porque o giro contabiliza o valor do estoque e dos investimentos e o fluxo, despesas e receitas”, diz.
Juros altos
Consultor do Sebrae em Londrina, André Azevedo afirma que é comum não separar recursos para eventualidades. “O erro é a pessoa pegar todas as reservas que tem e imobilizar na abertura do empreendimento, para depois ficar descapitalizada para tocar a operação e precisar buscar outras fontes de recursos mais onerosas, como financiamentos”, diz.
Azevedo ressalta que os juros de financiamentos de capital de giro em instituições financeiras é muito maior do que o usado para investimentos, o que eleva o custo do dinheiro. “Essa reserva auxilia também em outras questões e até como oportunidade, porque é possível negociar uma compra maior com fornecedores, por um preço unitário menor, e aumentar a margem de lucro”, diz.
Outra função é justamente servir de termômetro para a saúde do negócio. Se os recursos guardados são consumidos aos poucos, sem previsão de melhora no horizonte, é necessário reavaliar o mercado. “Buscar dinheiro no banco, capital próprio ou vender um carro para ter mais caixa sem saber quais são os problemas operacionais não adianta”, diz o consultor do Sebrae.
Autofagia
Um dos principais erros em pequenas empresas é o uso do capital de giro para pagar despesas pessoais de sócios. Por mais que nem sempre seja possível ao proprietário ter um rendimento no início, a confusão leva à perda de controle financeiro. “Muita gente considera difícil ter duas contas bancárias, mas é preciso ter controle e saber a origem das despesas e das entradas. Uma boa dica é colocar o salário do sócio na linha de despesas pessoais”, sugere Sonoda.
Para Azevedo, é comum também descapitalizar a empresa ao oferecer prazos de pagamentos a clientes muito maiores do que se consegue com fornecedores. “Se meu prazo de pagamento é de 15 dias e recebo em 30, preciso de capital de giro ou terei de usar crédito no banco”, cita.
Liquidação é opção para fortalecer caixa
Quando a empresa já está aberta e o capital de giro começa a diminuir, uma opção é promover liquidações de produtos ou serviços, mas de forma planejada. O diretor financeiro da iZettle no Brasil, Ricardo Sonoda, cita as promoções em trocas de estação no comércio de roupas como exemplo. “Se um item não foi vendido em determinado prazo, sei que o preço vai diminuir e o lojista precisa saber qual será o tamanho do desconto para suportar o custo fixo e variável com as vendas, sem prejuízo”, diz, ao lembrar que há ainda as queimas de estoque abaixo de custo em “emergências”.
O consultor financeiro André Azevedo, do Sebrae, diz que o artifício tem a utilidade de atrair clientes. “Pode-se vender um produto por um preço abaixo do custo e chamar a atenção para itens com margens maiores de lucro.”
Por fim, se nada der certo, o empreendedor precisa estar preparado para saber quando é hora de parar de insistir no negócio. Sonoda considera que é comum ter de investir capital próprio em uma empresa aberta recentemente, desde que não se deixe de refazer uma análise sobre o mercado. Renegociar com fornecedores e cortar despesas também são formas de evitar o aperto. “Um fluxo de caixa negativo por alguns meses é normal, mas, se for por muito tempo, é problema”, explica. “Se essa diferença for diminuindo mês a mês é porque há perspectiva de melhora. Caso contrário, é melhor repensar o negócio”, completa.