Com a infraestrutura de transportes aos pandarecos e desordem fiscal em expansão, os prognósticos pessimistas se expandem, elevando o grau de desconfiança no país e o espaço para propostas aventureiras em ano de sucessão presidencial
O economista Eduardo Giannetti, em entrevista à Folha de S.Paulo que ganhou menção do Financial Times, foi shakespeariano em sua lembrança de que a ilegitimidade política é a mãe da insubordinação. “A revolução americana começou com o lema ‘No taxation without representantion’ (Não há tributação sem representação)”, argumentou.
A maior economia da América Latina ficou paralisada após a eclosão de movimento de empresas de transporte de cargas e caminhoneiros autônomos. Tal articulação foi vendida como greve, mas deixou crescentes suspeitas de ter se originado de fato em locaute. Como as empresas respondem por quase dois terços dos caminhões em trânsito, o movimento só inapropriadamente pode ser chamado de “greve dos caminhoneiros”.
De todo modo, o pano de fundo afetava a ambos os grupos: a frequência e a intensidade de reajustes de combustíveis, a desvalorização do real ante o dólar e a recessão alongada da qual o país não consegue se recuperar. O preço médio do combustível subiu mais que três vezes a inflação desde maio do ano passado, em razão da política de reajuste quase diário da Petrobras. Sem poder repassar custos para os fretes, porque tolhidos pela crise recessiva, empresas de transporte e caminhoneiros autônomos voltaram-se contra o governo federal.
Na metáfora apropriada, a gestão Temer foi à lona, em três rounds. No primeiro, fez concessões tímidas ao limitar-se a prometer um congelamento temporário nos reajustes; no segundo, foi além do economicamente aceitável ao obrigar o Tesouro a custear diretamente demandas de grupos específicos da cadeia produtiva; no terceiro, viu-se obrigado a apelar às Forças Armadas para restabelecer o fornecimento de combustível e produtos de primeira necessidade, quando sua fragilidade e imperícia já haviam sido percebidas pelas partes contrárias.
Na argumentação plausível dos críticos do governo, a trégua estabelecida é instável. A concessão de combustível mais barato e a isenção de impostos para o setor de transporte de carga poderão encorajar a ação de mais grupos de pressão poderosos com demandas a ser pacificadas à custa dos contribuintes brasileiros. Com a infraestrutura de transportes aos pandarecos e desordem fiscal em expansão, os prognósticos pessimistas se expandem, elevando o grau de desconfiança no país e o espaço para propostas aventureiras em ano de sucessão presidencial.
Mais do que cortes de impostos fragmentados, o Brasil precisa de ampla reforma tributária. Para tal, suas lideranças necessitam de foco político, convicção, legimitidade e apoio, sem os quais os esforços novamente cairão no vazio. O país está fora dos eixos. É um caminhão desgovernado que só o novo presidente, legitimado pela maioria dos eleitores e com desejável perícia, terá forças para colocar nos trilhos.
Fonte: site epoca – 31/05/2018 – 18h42 – Atualizado 01/06/2018 18h16